quinta-feira, 7 de abril de 2011
É PRECISO CRER
Rubem Alves
Os olhos são órgãos marotos. Mesmo perfeitos, não são dignos de confiança. “Não vemos o que vemos; vemos o que somos”, escreveu Bernardo Soares. A gente pensa que os olhos põem dentro o que está longe, lá fora, quando o que os olhos fazem é por lá longe o que está dentro.
É o caso dos olhos do pai e os olhos do apaixonado por sua filha… Olho de pai é olho que se educou com a vida. Conhece a menina, viu-a nascer, crescer, voar, cair… Alegrou-se nos dias de sol, entristeceu-se nos dias de sombras e escuridão.
Os olhos do apaixonado são diferentes. Neles mora uma pitada da loucura que se chama fantasia. O apaixonado vê como realidade aquilo que existe dentro dele como sonho. Versinho enorme de Fernando Pessoa: “Quando te vi, amei-te já muito antes”. Traduzindo: vejo no seu rosto o rosto que já morava dentro de mim, adormecido… O apaixonado é um porta-sonhos.
Vocês, meu leitores, não devem estar percebendo a propósito de que é essa meditação sobre os olhares. É que eu escrevo por meio de parábolas, e o que está em jogo é um pai de olhar claro, uma donzela linda, sua filha, e um apaixonado que vê com olhos de poeta. Respectivamente, o professor José Pacheco, a Escola da Ponte e eu, Rubem Alves.
Visitei Portugal, acho que no ano 2000, e lá conheci uma escola diferente: a Escola da Ponte. Para mim, foi um espanto. Fiquei apaixonado e escrevi um livrinho sobre ela: “A Escola com que Sempre Sonhei Sem Imaginar que Pudesse Existir”. Amei a Escola da Ponte, amor à primeira vista.
Sou um educador. Escrevi muitas coisas sobre a educação no transcorrer da minha vida. Mas, de tudo o que escrevi, acho que minha contribuição mais significativa para a educação foi esse relato espantado e apaixonado.
A Folha publicou uma entrevista com o título “O lado escuro da Escola da Ponte” (7 de março de 2011). Nessa entrevista, o professor José Pacheco manifestou a sua preocupação com esse livro, exatamente por ele ter saído de um olhar apaixonado. A paixão obscurece os olhos que se põem então a construir mitos. E os mitos podem ser enganadores. O meu livrinho poderia levar os leitores a fantasiar coisas maravilhosas sobre a escola que não correspondem à realidade.
O que são mitos? Mitos são sonhos transformados em poesia. E a poesia tem poderes mágicos de transformar e dar vida. Quem explica o mito é Fernando Pessoa:
“O mytho é o nada que é tudo;/ Sem existir, bastou./ Por não ter vindo foi vindo e nos creou./ Assim a lenda se escorre a entrar na realidade/ E a fecundá-la decorre”.
A visão mítica, que não é intencional, acendeu sonhos que dormiam em mim. Aí me vieram ao pensamento estes três textos que dizem o que penso.
Primeiro, Miguel de Unamuno: “Recuerda, pues, o sueña tú, alma mia -la fantasia es tu sustancia eterna lo que no fué; com tus figuraciones hazte fuerte, que eso es vivir, y lo demás es muerte”.
Depois, as palavras de Tolstói, que Guimarães Rosa cita com aprovação: “Se descreves o mundo tal como é, não haverá em tuas palavras senão muitas mentiras e nenhuma verdade”.
Finalmente, esse delicioso poeminha de Mário Quintana sobre as utopias: “Se as coisas são inatingíveis, ora… não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos se não fora a presença distantes das estrelas”.
Continuarei a apontar para as estrelas…
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Já ouvi falar muito desta Escola da Ponte, mas nunca me aprofundei no assunto. Vou confessar que me deixo levar fácil pelas ideias e opiniões alheias, mas estou aprendendo "a andar com as próprias pernas". Por isso vou pesquisar sobre esta Escola e, independente, do entusiasmo mítico de Rubem Alves, tecerei minha própria opinião. Pena que não poderei ir até Portugal e viver a experiência pessoalmente!
ResponderExcluirGostei do post, me fez pensar sobre novos rumos!
Abraços!
Oi Iolanda, não consegui ver o vídeo mas o texto é ótimo, parabéns.
ResponderExcluirQue bom que gostou do novo mural, as crianças também gostaram bastante. Acho que vai ser bem produtivo fazer com o segundo ano, se as crianças tiverem no início do processo de alfabetização penso que vc poderia pedir para escrever o título e o nome do autor e fazer um desenho sobre o livro ou escrever palavras chaves sobre a história, mas se eles já estiverem produzindo pequenos textos pode-se fazer a tentativa de escrita. Acho legal fazer com pequenos grupos pois a criança precisa pensar o que escrever para mostrar que aquele livro é legal e a prof. precisa ficar bem atenta na forma da escrita pois este comentário ficará em exposição para que os colegas leiam.
Faça mesmo, vc e suas crianças vão gostar.
Bjs