domingo, 11 de abril de 2010

ESCONDERIJOS DE VIVER


Esconderijos de viver.

De Bianca Rosolem.

Foi um modo de aprender a viver. Alice gostava de se esconder. Pregava peças nos pais quando se ocultava nos lugares mais inesperados da casa. Com os amiguinhos brincava de esconde-esconde e era a campeã entre todos. Um dia, a brincadeira tanto se estendeu que a mãe de Alice chamou o guarda da rua para achá-la. Após 4 horas, com a mãe quase arrancando os cabelos, Alice fora encontrada escondida dentro de um diminuto espaço entre o chão e a pia da churrasqueira do vizinho. E tão acostumada a se esconder, Alice chegou a dormir em posição de contorcionista e, quando acordada pelo desespero de todos, sorriu e achou tudo muito engraçado. Ela não sentiu medo de se perder.

Foi então que ela descobriu que ao se esconder ela também poderia se perder. E que isso poderia ser tão bom porque depois ela poderia ser encontrada. É assim que se aprendem as coisas verdadeiras: Sem pensar, sem livros, cadernos, professoras, sermões de igreja e de pai.

Alice era toda pequena, de forma que se esconder e se perder era muito fácil. A mãe por muitas vezes perdeu Alice no supermercado e, quando a encontrava, ralhava com a pequena. Isto porque a mãe acreditava que Alice havia se escondido, quando, na realidade, a mãe apenas a tinha perdido de vista entre tantas gôndolas e pessoas.

Foi aí que Alice já não soube mais distinguir o que era “se esconder” e “se perder”. E quando adolescente ainda tão pequena e frágil - a menor de todas as garotas da escola - Alice sabia fugir das maldades e do tédio escondida e perdida em seus pensamentos.

E também Alice descobriu a mágica de ficar sozinha entre tantas pessoas, porque ela aprendeu a se esconder dentro. Ela percebeu lugares secretos de sua alma que quando tocados deixavam-na tão bem escondida que chegava a ficar invisível. Ela até testou nesses momentos sua invisibilidade encarando desconhecidos na rua que jamais lhe devolveram o olhar. Ela estava escondida e perdida dos demais, ninguém poderia vê-la, e ela estava em sua própria paz.

Quando os pais de Alice se separaram ela tinha 17 anos e ficou invisível por quase 1 ano. A mãe e o pai separados olhavam através de Alice, sempre, e ela poderia até fazer careta ou chorar de tristeza que eles jamais perceberiam. Foi durante o colegial, e Alice conseguia ser invisível durante as aulas e as provas. Nessa época, Alice freqüentava as salas de cinemas de filmes estranhos, bibliotecas e sebos. Nesses lugares ela era tão invisível que a sua invisibilidade se comunicava com outras.

Com o passar do tempo, Alice então notou que outras tantas pessoas também eram invisíveis. Isso a assustou no começo, afinal, nunca ninguém notara seu dom, e deixar de ser isso tão secreto parecia trazer à tona alguma fragilidade de viver.

Mas agora Alice já é adulta, e terá de encarar o fato de que é tão invisível quanto os que a cercam. Alice está maior e já não pode se esconder entre o chão e a pia. Alguma lição está por vir, e Alice me confidenciou que está confiante.

Bianca Rosolem é cronista do Blônicas.

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